terça-feira, abril 14, 2009

Liars - Plaster Casts Of Everything

domingo, dezembro 07, 2008

Biblioteca de Sabores

Uma pessoa muito próxima teve esta excelente ideia: organizar uma biblioteca consoante os sabores que nos transmitem. O bibliotecário perguntaria, qual será o sabor que lhe apetece hoje? Huumm, apetece-me algo doce. Então recomendo-lhe o Principezinho, claro. E para os dias que me apetece algo mais amargo? Temos Nietzsche ou talvez Dostoievski, mas se lhe apetece algo um pouco mais ácido como o limão talvez José Saramago. Se prefere algo mais salgado, talvez Fernando Pessoa. E Oscar Wilde? Ahhh, Oscar Wilder seria uma mistura mais confusa, algo mais amargo-doce.

terça-feira, março 25, 2008

Lisboa escrita (I)

Atravessei uma insónia há procura de um início de um livro. E por entre a noite pensei que o fim de uma história é normalmente um bom começo de uma outra:

“As ruas de Lisboa ecoavam o teu nome. Não digo isto como uma expressão metafórica ou como sinal de um caso patológico de esquizofrenia. Num acto de quixotesca loucura tinha-o espalhado pelos vários recantos da urbe inanimada, nas paredes, portões, postes e carros abandonados (tentei pintar um gato vadio mas este refugiou-se debaixo de um carro). Não conseguia escapar-me do teu nome entre as ruas da cidade, descobrindo-o mesmo em anagramas nos placares de publicidade ou em frases de ordem pintadas nos muros e tapumes. O que separa a paixão da obsessão, pois que toda a cidade escrita me parecia desembocar no teu nome? Fechei-me em casa. Repetia mentalmente mil vezes o teu nome, na ânsia de que deixasse de fazer sentido, quando tive uma visita inesperada…”

segunda-feira, março 17, 2008

Ficção

Num baile de máscaras uma mulher aproxima-se do inevitável bar, sítio mais recondido da folia. Pede um copo de vinho e dirige-me a palavra: sabia que a palavra pessoa vem de persona que também significa máscara?

Desconhecia. É um pormenor interessante, digo com os olhos postos na minha bebida.

Não meu caro, não é um simples pormenor, diz-me com uma voz rouca. Imagina o mesmo que eu, neste ambiente? Confesso-lhe o seguinte, e dirige-se ao meu ouvido: estou quente…

Vêm-me à mente a imagem cinematográfica de pessoas a despirem e a tocarem-se em pulsões sem memória, deixando contudo o mistério das máscaras.

A mulher incógnita interrompe-me o devaneio: ténue fronteira entre ficção e realidade. Não, não é o sonho que comanda a vida é a ficção.

Um pingo de vinho cai-lhe nos seios, e ali fixei o meu olhar. Pergunta-me, ímpia, se gostaria de lamber. Contorço-me e procuro dar uma resposta evasiva: porque não?

Que raio de resposta: sim ou não?, pergunta-me firme.

Desamparado, rendendo-me à excitação, respondi sem rodeios, Sim.

Senti a liberdade de colocar-lhe a mão na perna, fui subindo por baixo do seu vestido rubro e verifiquei que não trazia roupa interior. Apenas coberta com um fino vestido de seda e a máscara. Sugeri encaminharmo-nos para um local mais privado. Animalesco, desapertei as calças e penetrei-a por trás, sentindo o seu húmido calor interior. Por curiosidade, num gesto impulsivo e impetuoso, arranquei-lhe a máscara e, horrorizado, não encontrei nem uma mulher bonita nem feia. Encontrei o nada.

sexta-feira, março 14, 2008

10 valores

Um professor meu, particularmente exigente, uma vez disse que não há nota mais bela que um 10, um número redondo. Esta opinião recebeu, obviamente, os protestos da turma. Então e o 20? Também é um número redondo. Ora, o 20 é a nota da perfeição e portanto pertence à esfera do inatingível. 20 é para Deus. O 19 é nota que aquele professor guardava para si e o 18 é para os génios. O 10, seguiu argumentando, é o único número redondo que se deverá almejar. É belo porque é o fiel da balança entre o saber e o não saber. Limite máximo da ignorância e limite mínimo do conhecimento, harmonia Zen da sabedoria. É o ponto ganho pela bola de ping-pong que embate na rede e por momentos gera a suspensão entre cair num ou noutro lado da mesa. Pensando nisto, que nota dou, portanto, à minha vida, experiência e conhecimento? 10 valores, isto sem querer passar por pessimista.

Uma frase que achei interessante: Se acham que já fizeram muita merda, pensem que andaram a adubar a vida!

quarta-feira, março 12, 2008

Sexo, Cabras e Rock’N’Roll

No hilariante filme de Woody Allen, “ABC do Amor”, Gene Wilder aparece a fumar um cigarro pós-coito com a sua amante, uma ovelha. Relembro outro filme onde um casal discute as orientações sexuais num mundo sem homens ou sem mulheres. Pergunta o homem: Se não existissem homens no mundo, farias sexo com outra mulher? Ao que a esposa responde: Porque não? E tu, se não existem mulheres, farias sexo com outro homem? Não… talvez arranjasse uma boa cabra.

Pensando bem até poderá ser uma boa escolha, embora não se possa esperar grande ajuda nas tarefas domésticas ou grandes conversas nos momentos após o coito.

Longe da ficção e na realidade bem concreta, um homem no Sudão foi obrigado a casar com uma cabra. A história é a seguinte: O homem foi apanhado a fazer sexo com uma cabra pelo dono desta. O dono da cabra em vez de o levar à justiça levou-o a um conselho de Ansiães que decretou que o famigerado (...ou não) adepto do sexo zoófilo pagasse pela cabra ao respectivo dono e casasse com ela. Será isto "the beginning of a beautiful frienship"? Como diria Fernando Pessa: E esta ein?

Aqui está a hiperligação para a notícia na BBC News:

http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/4748292.stm

sexta-feira, março 07, 2008

Despertar do Inverno



Fotografado e filmado em Cambridge, UK

segunda-feira, março 03, 2008

Cinzento

À Li.

Muito stressada com o trabalho?

Não sei muito bem. Esta noite calhou-me uma médica que não sabia fazer reanimação.

Ela não conseguiu reanimar um doente?

Ninguém iria conseguir...mas podia ter feito mais qualquer coisa... Sabias que aqui na nacional passam mais automóveis cinzentos que de qualquer outra cor?

Nunca foi coisa que reparasse.

7 cinzentos, um branco e um vermelho, no sentido do carregado neste momento... o céu está cinzento, porquê que as nuvens não caem se estão carregadas de água?

Elas caem... em forma de gotas.

E ainda bem, podia ser pior, podia ser em jactos... uma grande torneira, é assim que imagino o dilúvio.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Perth Girls

“I hurt myself today
to see if I still feel”.
[Hurt, Nine Inch Nails]

O sol era retirado de um dos postais turísticos das praias de Perth na Austrália, onde destilava um luz difusa e inerte que se imiscuía com a imobilidade da areia e dos banhistas num momento fotográfico. Na praia podemos reconhecer três adolescentes que interagem em conversas e gestos cúmplices. As responsabilidades escolares estão a uma distância segura e não recai sobre elas nenhum ónus das responsabilidades familiares. São uma tabula rasa para as vicissitudes da vida onde o único perigo é o aborrecimento. Mas porquê focar a atenção nas três adolescentes e na sua aparente normalidade juvenil? Elas trocam impressões sobre músicas, lêem revistas, comentam a aparência dos jovens surfistas que se atravessam e metem conversa com elas. Não serão iguais como tantas outras? Mas assim como a areia da praia parece um conjunto monolítico, contudo se olharmos melhor para o pequeno segmento da areia na zona onde as adolescentes estenderam as toalhas podemos descobrir um pequeno tronco, uma beata ou um pedaço de vidro cortante que rasga a semelhança.
Deixo aquelas adolescentes, por uns momentos, na sua corte com os jovens surfistas. Penso na possibilidade inquietante para muitos de existirem actos gratuitos. Isto é, actos com a força de si mesmos, libertos de qualquer causa natural, biológica ou social. Podemos olhar para as três adolescentes, para as suas palavras, gestos e trejeitos e perguntar se haverá ali algo que seja gratuito. Isto, em princípio, não fará parte dos pensamentos daquelas adolescentes de aparência despreocupada, em pleno gozo dos seus anos folgados de formação e de individuação. Nem tão pouco é um problema da ciência mais preocupada com a procura de causas e efeitos. É antes um problema que pertence à espuma do pensamento filosófico e que poderá ter duas soluções principais, embora insatisfatórias: a primeira solução, é remeter um acto gratuito a uma causa fundamental, que em termos bíblicos poderá ter origem nos conceitos primordiais de bem ou de mal; a segunda solução será remeter o acto gratuito ao fenómeno difuso e fugidio do aleatório, tão incómodo tanto ao determinismo religioso como científico. Será um acto gratuito um acto de acção ou até de experimentação sobre o mundo? E se uma das adolescentes decidisse de repente insultar um dos surfistas sem provocação? Esbofeteá-lo ou dar-lhe um pontapé nos testículos? De onde poderá surgir essa vontade, que pode ser vista como irracional? Aqui entra alguma controvérsia, afinal um acto daqueles pode ter uma consideração de futuro, quais as consequências? E assim sendo, pode-se duvidar que seja um acto com a força de si mesmo. Devaneios à parte, os jovens surfistas afastam-se e evolam-se nas ondas. Uma adolescente distrai-se olhando para um revista sobre as estrelas do momento da música pop. As outras duas adolescentes cochicham entre si, sussurram palavras, fazem um voto e por fim guardam um segredo.

Regressam a casa de uma delas. No quarto de dormir, salta à vista um grande poster de uma estrela pop de tronco nu e musculado, esboçando um sorriso e um olhar que se supõe sensual. Estendem-se na cama e no chão, põe-se à vontade naquele porto familiar. Uma delas começa uma guerra de almofadas, mas que se torna cada vez mais violenta. Até que duas das adolescentes agarram na outra e começam a asfixiá-la com uma almofada. A certo momento, a jovem atacada percebe que tudo ultrapassou os limites da brincadeira e a asfixia que a assola não é apenas física mas a da incompreensão. Luta para se soltar perante o mesmo olhar pávido e sorridente da estrela pop no poster, até à última respiração...

O detective da policia, de pé perante a mesa da esquadra onde estão sentadas cabisbaixas e quietas as duas adolescentes, fuma um cigarro nervoso. Andando de um lado para o outro pergunta: Porquê?... Porquê? Porque é que fizeram isto?
Baixo e laconicamente diz uma delas: Queríamos saber se iríamos sentir remorsos...

(Baseado em factos verídicos)

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Escuro

Entre os lençóis da cama, no meio do escuro, levas-me com a tua voz… desenhas-me descrições abstractas, causas-me sensações desgarradas sem lugar nem contexto como uma pintura surreal, com coisas aparentemente sem associação entre elas. Páginas de um velho livro esvoaçam entre as folhas secas outonais... Surgem máscaras penduradas nas árvores... Surgem círculos cravados nos troncos e depois triângulos... Uma chave no meio das folhas secas... Mas o que abre essa chave? Um velho relógio pousa numa rocha... mas estará a funcionar? Imagino-o parado e ferrugento. Descreves-me caminhos de terra que bifurcam... e uma luz ténue. A luz está associada ao esclarecimento e à revelação, ao ponto de orientação, ponto de referência, penso... a luz no horizonte da estrada, no fundo da rua, no fundo da vida... Trago os meus próprios sentimentos, as minhas próprias vivências e a minha própria visão do mundo ao que descreves... várias possibilidades se abrem … peço-te para levares-me ao concreto do teu corpo...

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Teoria do caos

Que escreves?, pergunto enquanto te olho estendida na cama sobre um caderno. Poesia, respondes de soslaio com o teu sorriso. Acerco-me tentando vislumbrar o que escrevinhas. Tiras o caderno do meu campo de visão com o teu corpo, como se escondesses uma cria do predador. Não podes ver!, nunca irias perceber o que está escrito, dizes prepotente. És um cientista, racional, objectivo, preso às velhas regras da lógica. Viras-te para mim e apertas o caderno contra o teu peito. O meu projecto, dizes-me, é descobrir a beleza numa junção improvável de umas quantas palavras feias e invulgares. Estabelecer relações insuspeitas entre palavras, ideias ou acontecimentos que descobri por uma invulgar pincelada da mente. Dás pequenas risadas e lanças-me o teu olhar aguado, vítreo e intenso como se reflectisse todas as possibilidades infinitas. Quero encontrar através da poesia relações, causas e efeitos improváveis que uma vez expostos se impõem ao sentimento com a força de uma lei da natureza. Quero descobrir que o bater de asas de uma borboleta pode realmente explodir um planeta.

domingo, novembro 18, 2007

Nascer duas vezes

O meu pai tem dois aniversários. Um dia 9 de Dezembro e outro dia 11 do mesmo mês. Na realidade ele nasceu a dia 9 mas o seu nascimento foi apenas registado dia 11 e para evitar uma multa assim ficou como data oficial. O que é curioso, é que sempre que lhe dou os parabéns dia 9 ele recusa-os: o que conta, diz-me, é o que está no bilhete de identidade. Esta postura sempre me causou confusão mas pensando bem ele tem a sua razão. Para todos os efeitos aquilo que ficam são os registos oficiais de morte e nascimento que desprezam e recusam qualquer outra experiência vivida. Não fica nenhum registo de como os meus avós se sentiram quando o meu pai nasceu, se o parto foi longo, se estava muito frio naquela noite de Dezembro, se havia mais pessoas presentes, se o meu avó festejou o acontecimento com um belo copo de aguardente ou se brindou com o resto da aldeia. Este esquecimento, este apagar de borracha imposto pelos registos oficiais e pelo decurso da grande História talvez seja o que explica a obsessão de certas pessoas pelas fotografias, pelos vídeos, pela escrita nos diários, pelos recortes de jornais, pelos blogues, pela colecção avulsa de objectos sentimentais. São estes pequenos gestos de recolha que têm a tarefa hercúlea de navegar contra o tsunami incomensurável do esquecimento que varre todas as experiências únicas e pessoais, vividas e sentidas no concreto. Mas o meu pai demonstra uma estranha resignação, a resignação de que quando perecemos pouco mais resta do que os registos no cartório e na lápide. Talvez seja a resignação de alguém que vê num aniversário pouco mais que um marcar passo do oblívio ou alguém que vê numa festa de aniversário uma vã tentativa de esquecer o esquecimento. Talvez caiba a mim pegar um dia nos seus objectos, nas suas fotografias, nas suas notas e nas memórias que eu próprio vou guardando dele e escrever-lhe, tanto quanto possível, a história, não a dos factos mas a vivida, que também é a minha.

sábado, novembro 03, 2007

O beto nacionalista

Pretos do C$%&#$, ucranianos da m#$%$, andam para aqui a roubar o trabalho aos portugueses. Por vossa causa não consegui um trabalho nas obras e não tive outro remédio se não ir para o Técnico tirar um curso superior…

sexta-feira, outubro 19, 2007

Outono

domingo, outubro 14, 2007

Luz

domingo, agosto 26, 2007

Fotografia

Queria manter a distância, longe, distante, filtrada pela objectiva da câmara, reconstruir os teus movimentos e deixar as tuas expressões imóveis. Não te queria de carne e osso, queria-te assim, objecto fotográfico.

Biografia

Relembro o videoclip "Bacholorete" de Bjork onde aparece um livro que se escreve à medida que se lê e vejo ali uma excelente metáfora para a construção da nossa identidade e da nossa história vivida.
A corrente da vida é uma construção constante da narrativa, a nossa vida é uma história com o seu quê de literário. Somos escritores de nós próprios e cada pessoa é um livro em potência, ou melhor dizendo, vários. Escolhemos a sucessão dos factos.
Podemos dizer, Churchill cumprimento Stalin mas podemos re-escrever: Churchill, depois de secretamente ter emolado a ferramenta na casa de banho e ter espirrado três vezes no conhaque de Einsenhower, cumprimentou Stalin...
Verdadeiramente, para nós próprios, não somos os nossos actos, somos o que nos impressionou, o que nos preencheu naquele momento, que nos tornou de certa forma verdadeiramente conscientes daquele aqui e agora. Qualquer estória pessoal é assim tão vaga e ambigua como a estória da nossa própria identidade... É um livro cujas páginas flutuam...

quarta-feira, agosto 01, 2007

Templo

A luz das velas destilava pelo templo, enevoando o espaço com uma áurea alaranjada. Os discípulos aguardavam e enchiam o atmosfera com um murmurar tecido por várias rezas. Aguardavam por ELE. Até que uma luz forte inundou o templo e ELE materializou-se no altar. Todos os discípulos se ajoelharam... menos um. "Não te ajoelhas perante o teu Criador?", perguntou ELE. E o homem, de pé perante os demais, retorquiu: "Porque não vens TU beijar o teu filho?"

sexta-feira, julho 13, 2007

Sitcom

Ben entra (aplausos, vivas). Finalmente o ca... (piiiiii) do velho resolveu bater as botas (risos). Ainda me lembro das vezes que tive que ficar aqui com ele sozinho a mudar-lhe as fraldas. Como os putos, ó caneco. Se a vida não anda em círculos... (risos). Raio do velho incontinente, chato como à potassa: (Flashback) “Bennnn, a dentadura caiu-se na pia. Outra vez?! (risos)” (Fim do flashback). “Caiu-se na pia...”, tsk. Como se ele não fosse um velho desajeitado e a dentadura lhe saltasse da boca para dentro da pia por sua livre e espontânea vontade (risos). Betty entra (aplausos, vivas). Buuahhhhhh, o meu paizinho, o meu Daddy, bbuuahhhh. Sniff Sniff. Assoa-se a um lenço. Os homenzinhos da funerária já estiveram aqui, Ben. Deram-me cá uns arrepios. Um deles era mesmo estranho, aposto que pratica actos de necrofilia (risos). Bom já está tudo tratado, o funeral é amanhã... (fade out).
Ben, Ben, grita Betty com a voz esganiçada. Que foi agora?, pergunta Ben chateado por interromper a leitura do jornal desportivo...
O Daddy tem pulso?! Como é que o Daddy tem pulso se está MORTO (risos). E não me tinhas dito que já está tudo tratado? Estás a imaginar coisas. Sério, ele tem pulso, vem cá ver. Ben toma o pulso a Daddy: Eh pá, raio do velho, não é que parece que tem mesmo pulso. Ben, não trates assim o Daddy. Bom, vou já chamar a Fanny.
Betty reentra no quarto de Daddy com a irmã Fanny (aplausos, vivas). oohhh Daddy, chora Fanny, não viveu o suficiente para me ver casar. Casar?! Tu?! Quem é que iria para a cama com um paquiderme como tu?, pergunta Ben, só se o Daddy pagasse a algum gajo um salário mensal chorudo, mas com a miséria de pensão que ele tinha... nem dava para as fraldas (risos). Bennnn, Betty dá-lhe uma palmada. Deixa estar Betty. Não preciso de homens como tu Ben, o meu dildo chega-me bem (risos). Fannyyy?!, exclama Betty. Bom Fanny, eu e o Ben sentimos o pulso ao Daddy. Não pode ser. Como pode ser Betty, se já está tudo tratado? Mas sentimos-lhe o pulso, Fanny. Vê por ti própria. Sentes alguma coisa? Nãaoooo... pera aí... Sim... estou a sentir alguma coisa. Vês, vês Ben, algo se passa. Teddy, filho, vem cá, depressa. Entra Teddy desconfortável (aplausos). Vem sentir o pulso ao vovó. Para quê? Ele parece morto que nem uma pedra. Além disso, já não está tudo tratado? É o teu avó, faz-lhe esse último favor, e lembra-te que ele gostava muito de ti. Claro, claro, tinha cá uma maneira de o mostrar, sempre a dar-me com a bengala na cabeça enquanto me chamava esgrouviado (risos). VÁ LÁ, dizem Ben e Betty em uníssono. Eu não vou tocar-lhe, nem pensar, diz Teddy repugnado, ainda posso apanhar uma doença ou alguma coisa do género. Ben: os mortos não apanham doenças idiota (risos).
Uuhhhhhh uhhhhhh oláaaaaaaa, a vizinha Trisha entra (aplausos). Não é um bocadinho inconveniente estarem todos aqui no quarto enquanto o Daddy dorme a sesta? O Daddy faleceu esta manhã, Trisha, buaaahhh. Ohhhh meu Deus, Betty... Então é por isso que ele está deitado de fato e gravata. Duuuhhh, diz Ben (risos).
Betty: Trisha, vê se consegues sentir o pulso do Daddy. Trisha: eu pensava que os mortos não tinham pulso. Vocês estão a tentar ver se ele está em forma para a vida depois da morte? Ben: Trisha, o que é tu foste na tua vida anterior? uma galinha? Sinceramente, acho que Deus ou o Buda ou lá o que é se esqueceu de trocar os cérebros à nascença. Bennnnnn, Betty volta a dar-lhe uma palmada. Trisha: Ohhhh, meu Deus, Betty, acho que tens razão... estou a sentir qualquer coisa... E o pior de tudo Trisha é que já está tudo tratado (risos).
Betty grita mais uma vez: Ruffy?! Ruffy anda cá, vem sentir o pulso ao Daddy. Ben: o Ruffy consegue lá sentir o pulso das pessoas. Ele é um cão, valha-me Deus (risos). Ohhh Ben, sabes bem que o Ruffy adora o Daddy. Se ele sentir alguma coisa ele vai ladrar, não é fofinho? (Ruffy lambe a boca da dona). Auf, Auf. Vês ele está a sentir alguma coisa. Algo se passa aqui, temos de telefonar já para um número de emergência.
A família inteira encosta-se ao telefone: Dói, Dói , Trim, Trim, Boa tarde. Responde Betty: Alô?! O meu paizinho faleceu e... Faleceu? Oiça, isto é uma linha de emergência... para os vivos... (risos). Betty: Mas ele está com pulso... E ainda por cima com tudo tratado (risos). Responde a operadora: O seu pai? Está morto? E tem pulso? Oiça, esta linha é demasiado preciosa para se perder tempo com brincadeiras (risos). Não desligue, isto não é brincadeira nenhuma. Operadora a perder a paciência: bom, olhe, mesmo que não seja uma brincadeira, eu nem devia estar a atendê-la, isto é uma linha de emergência PEDIÁTRICA (risos), é o que diz nas páginas amarelas. Talvez seja melhor telefonar para outro número de emergência. Grita Betty: mas isto é uma emergência bolas. Oiça, tenha calma. O que pode ter acontecido é que a senhora tenha sentido o seu próprio pulso, é o cenário mais plausível. Mas, toda a gente cá em casa viu com os próprios olhos que a terra há-de comer que o paizinho tem pulso, até o Ruffy sentiu-lhe o pulso, não foi querido? Auf, Auf. Mas o médico já não foi aí a casa verificar o óbito do seu pai? Sim, o médico já cá veio e passou a certificação de óbito. Cá entre nós, pareceu-me cheirar um bocadinho a álcool (risos). Ben acotovela a mulher: Diz-lhe que já está tudo tratado. Os homens da agência funerária também já cá vieram. Gente muito esquisita, sabe como é. Já está tudo TRATADO, minha senhora (risos). Operadora: mas se acha que o seu pai tem pulso, não seria melhor chamar outra vez o médico para confirmar? Ó minha senhora, como é que me diz para chamar o médico outra vez? Agora?! quando já está tudo tratado?! (risos, gargalhadas, aplausos, vivas, cheers, a moche, a loucura) (Créditos finais).

P.S.: Baseado em acontecimentos verídicos passados em Portugal.

sábado, julho 07, 2007

Impressões

O meu velho costumava dizer que os grandes homens (ele não referia mulheres, têm de o desculpar mas ele fazia ainda parte da sociedade patriarcal) são aqueles que causam impressões duradouras nas pessoas. Eu era apenas um puto e não tinha capacidade reflectiva para questionar essa noção. Hitler e Stalin foram grandes homens? Bom causaram sem dúvida grandes impressões. E de certa forma, para o bem e para o mal, foram considerados grandes homens para uns e grandes monstros para outros. Mas afinal onde estará a fronteira entre os dois? Sempre pensei em ser um grande homem, pensei que estava pré-destinado a ser um no futuro. Mas actualmente sou apenas um simples homem com um emprego nos serviços, nada de impressionável. Das pessoas que encontramos quantas nos marcam, de quais lembramos os contornos das suas faces? E das pessoas com quem lido diariamente em quantas causei alguma espécie de impressão? Nunca desisti de causar impressões nas pessoas. E esse é o meu ego sombra. Já perdi a conta das pessoas que persegui, assaltei e raptei. Não me lembro de muitas caras mas de certo que não esqueceram a minha. Entro nos seus carros na calada da noite, finjo que sou alguém a necessitar de ajuda na beira da estrada ou dou boleia a pessoas com necessidade e dou-lhes a boleia das suas vidas. Com a minha arma de fogo consigo com que as pessoas façam coisas que nunca fariam nas suas vidas comuns. A perspectiva da morte consegue muitas coisas. Faço-lhes perguntas pessoais, vasculho os seus objectos íntimos, as suas malas, as suas carteiras. Bom, nunca magoei alguém a sério se é o que estão a pensar, fisicamente pelo menos. Todas as pessoas ficam a pensar que sou um assassino em série ou algo do género. Sim já espanquei, amarrei pessoas de pernas para o ar, reguei com gasolina, já obriguei pessoas a chuparem o cano da minha pistola. Mas nunca matei ninguém. Até sou um tipo pacífico. Ok, também já fiz um corte com uma navalha no rosto de uma gaja: queria ser modelo, como se esse fosse um objectivo útil, como se ser modelo promovesse qualquer tipo de crescimento pessoal, é tão superficial. Deixei-lhe uma cicatriz e eu até acho que foi algo libertador para ela. Também já penetrei o gajo com o cabo de uma vassoura no cú, tudo o que o gajo queria saber era se eu era gay e se o ia violar e não parava de repetir a pergunta. Mata-me à vontade mas não me violes o cú, meu Deus, que patético. Sinceramente, tenho a impressão que era o que o gajo realmente queria. Retraído de merda. Apesar de tudo, no final todas aquelas pessoas que rapto ficam felizes por estar vivas. Se não ficam é porque são patéticas e não merecem a vida que têm. Tudo o que vejo, em todo o lado, é este lamentar nas pessoas. O que é certo é que eu farei sempre parte daquelas vidas. É tudo uma questão de impressões duradouras.

sexta-feira, junho 22, 2007

Happy Birthday

Contas-me uma colecção de pequenas estórias, acontecimentos, observações que não se adicionam umas às outras para moldar uma estória completa. Poderão ter uma data precisa mas não se situam em nenhum lugar em particular nas nossas narrativas de vida. Poderiam ser baralhas e distribuídas de novo como as cartas de um baralho. É esta uma das características do mundo contemporâneo, dizes-me, uma situação bela e assustadora ao mesmo tempo. Estamos libertos das tradicionais e lineares trajectórias de vida, somos saltimbancos, incertos, indecisos, queremos experimentar, comprar, deitar fora. E isso reflecte-se nas estórias que partilhamos, nas frases soltas, nos textos que deixamos perdidos nas gavetas ou num blogue. Quero-te dizer aquilo que li o outro dia num blogue, era mesmo interessante... mas não me lembro. O nosso sentido de profundidade, de que a vida tem um rumo tangível e perceptível vai-se perdendo em modo fade out... Que fazer com os acontecimentos quotidianos, com aquilo que lê-mos e vê-mos, com aquilo que sentimos quando fodemos todo o sentido de História? Mais vale aproveitar os dias um a um, dizes-me. Toma um pastel de nata com uma vela no topo... Happy Birthday... um ano de Blogue... será ainda um infante? Que idade terá um blogue quando for velho?

quinta-feira, junho 07, 2007

Bento XVI respira fundo, ladeado dos cardeais, antes de entrar na varanda que se abre para a Praça de São Pedro. Já sente o burburinho dos crentes e dá um passo confiante sobre a varanda da basílica. A multidão entra em delírio e Bento inspira a fé católica misturada na leve brisa do fim da tarde. Coloca os seus fieis auscultadores Sennheiser e começa a aquecer os pratos. Milhares de watts de som começam a encher a praça com palpitações sonoras. Os cardeais colocam os óculos escuros e começam a movimentar os corpos. A multidão segue o exemplo e entra em delírio. Multiplicam-se as pastilhas de ecstacy e as garrafas de água. Benditas sejam as novas formas de propagar a doutrina católica... God is a DJ...

domingo, junho 03, 2007

Matemática

“O Binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo”
[Fernando Pessoa]

No novo mundo reina apenas uma linguagem universal: a matemática. Não se sabe ao certo o período em que todos passaram a comunicar somente em matemática, o período onde se deixaram de lado as palavras e onde a transmissão do pensamento passou a ser baseada numa linguagem e numa interpretação do mundo completamente codificada. Terá sido esta revolução obtida através de uma educação deliberada, através de uma revolução linguística deliberada ou até mesmo imposta? Ou terá sido uma revolução silenciosa, fruto do aumento das capacidades cognitivas da humanidade, um despertar da linguagem mais fundamental, o que aliás já tinha sido reconhecido por pensadores da era pré-histórica como Galileu ou Descartes? A religião do novo mundo também emana dessa ideia muito antiga de que a matemática é a linguagem de Deus a tradução mais perfeita da divindade, assim como da profecia Nietzcheniana da construção do “super-homem”. As antigas linguagens comuns são entendidas no novo mundo como uma tradução imperfeita do pensamento, são o espelho imperfeito de um modo de pensar pessoal e de certa forma intransmissível, herege portanto. As pessoas eram pequenos microcosmos de significado e visto que não falavam numa linguagem matemática as pessoas escapavam à descrição e explicação abstrata e axiomática do mundo, reféns das nuances de sentido. O que é certo é que as palavras são entendidas como impuras. Muito das desgraças do mundo antigo são atribuídas às antigas formas de comunicação, a política e o poder são consequências inevitáveis da linguagem comum, a imperfeição do homem era a imperfeição da linguagem.
No novo mundo só há espaço para a linguagem baseada em estruturas abstratas definidas axiomaticamente, usando a lógica formal como estrutura comum de comunicação. As estruturas abstractas, belas em si mesmas, fornecem assim uma generalização unificante do mundo. A verdadeira poesia é a verdade matemática. A outra forma estética pura do mundo é a música que tem a sua tradução matemática. Não há espaço para mal entendidos ou duplos sentidos entre os seres humanos, eliminaram-se as margens e as franjas da linguagem comum, falível, imperfeita, volátil. A utopia iluminista racional tomou forma e uma perdida babel linguística foi assim reencontrada. Os livros, os romances, a poesia feita de palavras são símbolos arcaicos, objectos arqueológicos...

sexta-feira, maio 18, 2007

O novo estripador de Lisboa

“Demónios transvestidos de anjos assistem ao funeral da esperança e do amor. Putas pagas à hora usam trajes fúnebres com cheiro a mofo e a esperma que os perfumes baratos mal disfarçam e trazem nas mãos flores de plástico compradas na loja do chinês...”

«Mas que merda é esta! O que é que o gajo quer dizer com isto, pá!»
«A perícia encontrou alguma coisa?»
«Nada, a mancha de sangue na nota de papel pertence à vítima! Três putas assassinadas e não há meio de apanhar o gajo! Nem uma pista! Que merda! Ahhh se eu conseguisse por as mãos nesse animal...»
«Não é um animal! É bem humano e isso é que é assustador! É um tipo inteligente que sabe o que faz, até tem uma escrita com um estilo apocalíptico interessante que ainda nos poderá dar pistas. Faz lembrar os escritos de Charles Manson.»
«Mas agora admiras o gajo? É um tipo maluco pá. Completamente desequilibrado, tu viste em que estado ele deixou as putas!»
«Sim, mas não podemos subestimar-lhe a inteligência, se o quisermos apanhar temos de entender a forma como este gajo pensa...”
«Entender o gajo... eu queria era enfiar-lhe um balázio naqueles cornos se pudesse. Entender o gajo... é o que dá aceitarem gajos formados em Psicologias e Sociologias na Judite. Ó camelo. Eu para aqui a insultar-te e não dizes nada».
«Estou a pensar... aliás tive uma ideia».
«Também eu, que tal irmos ali atacar uns caracóis e emborcar um fino a ver se refrescamos as ideias».
«Depois de irmos verificar uma coisa... Este gajo deixa mensagens com as putas, certo? Ele quer que as pessoas o leiam e onde é que, hoje em dia, é o sítio mais comum para deixar mensagens, ideias, textos?»
«Os classificados do Correio da Manhã?»
«oohh foda-se! Que mal fiz eu para te ter como parceiro. Não estúpido, se alguém quer deixar uma mensagem para um público anónimo usa a internet...
... vamos ver no que isto dá:»

“Demónios transvestidos de anjos assistem ao funeral da esperança e do amor” [Pesquisar Google]

«Et voilá - Letras que (Ab)sinto - aí está o blogue do gajo! Nem acredito, ele publicou exactamente a mesma mensagem no blogue! De facto, quem quer gritar para o mundo, grita por um blogue.»
«Ou deixa mensagens com putas desventradas»
«Olha, o gajo publicou o texto da mensagem exactamente no dia em que matou a terceira vítima!».
«Caralhos ma fodam».
«Com o meu à mistura é que não vai ser! Bom, o gajo apelida-se de «faceless», huummm, apropriado por enquanto. Seria muita sorte se ele fosse suficientemente estúpido para colocar um nome verdadeiro. Deixa ver o perfil: tem 28, sexo masculino e é de Lisboa. Ahhh e é aquário!»
«Que é que tem? Queres fazer a carta astrológica do gajo?»
«Não idiota, isto indica que nasceu entre 21 de Janeiro e 18 de Fevereiro.»
«Tás bem informado! Bom, em princípio toda esta informação já dá para limitar os casos possíveis para uns quanto milhares e começar a traçar um perfil. Mas será que toda essa informação é verdadeira?»
«Talvez pudéssemos deixar um comentário. Tentar começar a estabelecer contacto com ele...».
«Do que é que estás à espera, escreve o comentário».
«Calma..., temos que escrever qualquer coisa que o desperte, algo que crie empatia. Temos de conquistar a confiança deste gajo... Deixa-me ler o resto do blogue, ver como este gajo pensa, analisar-lhe a escrita... Porrra!! Ele colocou hoje uma nova entrada! Acho que ele vai matar outra vez esta noite...»
«Não se nós tentarmos impedir esse cabrão de merda! Vou avisar o chefe! Temos caçada!»

segunda-feira, maio 14, 2007

Superfície

Tenho este sonho recorrente. Sonho que raspo na superfície de um lago gelado, ou será uma parede de tijolos pintada de branco? Raspo, raspo, cravo as unhas na superfície esguia e monolítica, esmurro a parede de gelo, procurando mergulhar no lago límpido e respirar debaixo de água. Ambiciono chegar ao fundo, fundir-me ao leito telúrico de todos os seres. Acordo completamente suado, mas será agua salina dos poros ou água doce? Acordas com o meu sobressalto na cama e perguntas-me se está tudo bem. Não foi nada, só um sonho, e adormecemos novamente enroscados um no outro...

terça-feira, maio 08, 2007

Oriente

O meu fascínio pelo oriente, é um fascínio antigo que surge da fantasia de aterrar em terras o mais estranhas e diferentes da realidade que conheço. É talvez o mesmo fascínio que sentia em pequeno pela União Soviética, como se fosse um outro lado do espelho, como se pudesse saltar o muro e me sentisse, de repente, deslocado, fora do familiar, com o frio no estômago de quem desliza como Alice na toca recôndita do coelho branco. Com a mochila às costas aterro em Bangkok e sou imediatamente invadido por um ambiente sobrecarregado de mensagens, códigos, símbolos orientais, cheiros e sons indecifráveis. Encontro-me como alguém que veio do passado ou do futuro, não importa. Fantasio que sou uma mente incontaminada, deslocada no espaço e no tempo, para quem os edifícios, as pessoas, os artigos do comércio de rua, os enormes cartazes de publicidade nada significam. Sinto-me perdido e mudo, apenas com a capacidade de gritar sons sem sentido.
Depois de algumas horas a vagabundear, perseguído pela humidade, o clima tropical e o fumo invisível da cidade, falta-me o ar, sento-me algures num canto da rua que está em modo fast-forward, pouso a mochila e desligo entre o nevoeiro de gente, bicicletas, veículos e comércio de rua. Sou sugado pelo fluxo espácio temporal de um buraco-de-minhoca para uma viagem de automóvel rumo a Barcelona. Relembro febril a silhueta onírica de um enorme touro preto, a pairar na paisagem enegrecida ao largo da estrada, por entre o desvio para o vermelho do sol moribundo de fim de tarde. Perante a geometria do touro apocalíptico pensei na forma como conceptualizamos o lusco-fusco como um fim, como um mundo que se apaga e não como um princípio, o princípio da noite. Noite e viagem adentro, algures perto de Zaragoza, encontro-me flanqueado de luzes vermelhas suspensas na escuridão. Desafiando o bom senso, desliguei o motor e todas as luzes e deixei o carro deslizar. Sem qualquer referente, o negro cerrado não me permitiu identificar a origem das pontos vermelhos, que assim ficaram sem nenhum outro significado senão o de serem eles próprios, arrancados de qualquer contexto, a pairar cristalinos por entre a escuridão monolítica. E nesta imagem inquietante desperto na noite da cidade.Algo desesperado percebo que perdi todo o sentido de lugar mas lentamente coloco-me de novo nas ruas de Bangkok. Mas estarei eu realmente em Bangkok? Bizarra colagem de paisagens mentais e de lugares como se percorresse uma pilha baralhada de postais turísticos sem qualquer indicação da sua origem. E estranhamente a minha inquietação tem um contínuo entre aquelas imagens distantes nos arredores de Zaragoza e as ruas de Bangkok. Procuro eu perder-me num ambiente estranho para procurar, entre os resquícios e fragmentos, uma identidade mais pura, como o processo de lapidação do diamante, reconhecendo assim a geometria mais perfeita da alma? É como se procurasse as gentes e os lugares mais desviantes para ter um maior sentido de mim mesmo. Mas naquela ambiência alienígena, exasperante, o meu desconforto será um sinal de que a minha alma já não tem resgate? A minha exasperação é subita e surpreendentemente acalmada perante o símbolo da coca-cola entre caracteres orientais. Naquela terra estranha e confusa, peço repetidamente para o primeiro comerciante tailandês que encontro, coca-cola, coca-cola, como se fosse a única água que me poderá salvar da sede.

sábado, abril 28, 2007

Abril

O meu nome é Álvaro ou será Manuel? São tantas as identidades falsas, as múltiplas identidades que se sobrepõem para fugir e enganar o regime e a polícia política, a polícia moral e dos bons costumes. A fé política era, e é, o que me mantém a sensação de unicidade. Alguém que me disse, há uns anos, que os ventos de Abril trouxeram finalmente a liberdade, que podemos baixar a guarda. Mas por precaução continuo na clandestinidade. Perdi todos os meus contactos, melhor assim. A melhor estratégia é sermos apenas uma célula, unos e impenetráveis. Olho o espelho e tento recordar-me quem sou. Que diz o meu bilhete de identidade? Acho-me estranho com a barba feita. Por vezes, nos momentos de dúvida, tenho a sensação que já nem politicamente sei quem sou. Perscruto a rua, vazia. Fecho as cortinas, pego nos documentos e no chapéu e saio para o hall da pensão barata. Pago a conta e olho nervoso para o indivíduo que lê distraidamente o jornal prostrado num sofá. A luz água-ardente do céu de Lisboa fere-me os olhos. Sobressaltado ouço passos de corrida. Falso alarme, apenas crianças que brincam à bola. O mundo deveria pertencer às crianças. A cidade branca está aparentemente diferente com cheiros e sons que me confundem. Cartazes e inscrições esdrúxulas polvilham as paredes da cidade. Seres estranhos olham-me de frente nos enormes cartazes de propaganda política. Serão a expressão da mesma face? O regime disfarça e altera o mundo para assim governar oculto. Para o combatermos temos de ser, também nós, seres invisíveis. Pego o eléctrico e de seguida envio-me de rompante no metro não vá alguém estar a seguir-me…

domingo, abril 22, 2007

Formol

Acendo um cigarro e recordo-me que pouco falta para a consulta de pneumologia no hospital. Levanto-me e revistas pornográficas caem espalhadas no chão. Despontam alguns corpos nús despudorados e escaqueirados, alguns demasiado perfeitos, irreais. E ficam ali as revistas prostradas no chão entre jornais e livros de fotografia, numa mistura insólita com imagens chocantes de guerra, doenças, miséria de James Natchey, Salgado... Penso que me sinto cada vez mais insensível ao toque. Um amigo meu, artista plático, disse-me um dia que homens e mulheres não precisam realmente uns dos outros, sempre podes masturbar-te pá!
Ao longe a televisão anunciava mais mortos no Iraque e vomitava as imagens da violência dos atentados... Um dos jornais espalhados no chão salta-me à vista com mais uma notícia de alguém que entrou em contramão na autoestrada provocando uma série de choques em cadeia. Como combater as imagens? O poder está morto, li algures, disperso na implosão das fronteiras entre o real e o ilusório... A realidade não é mais verificada, chamada a justificar-se a si própria. Não apreciamos a ‘realidade’ das doenças e da fome nos países do terceiro mundo. Através das notícias na televisão tomamos conhecimento de tal situação, mas não a encaixamos. Bombardeados que somos com imensos códigos, mensagens e imagens, a violência, a fome e a doença tornam-se apenas mais imagens desinfectadas no ecrã, que levam à aceitação acética e passiva.
Os significados são dissolvidos em formol pois a informação dissolve o significado numa espécie de estado nubloso que leva à entropia...
Pego no carro e dirijo-me ao hospital. Entre os seus corredores, sinto lamentos distantes e vagos, uma vontade de gritar brota-me de dentro, shhhh, estamos num hospital, ouço uma censura interior. O ambiente branco-pálido e o cheiro ascético, as imagens, os quadros, os olhos virados para o écran da televisão, a propaganda religiosa, como que me querem dizer que os corpos realmente não existem... Vêm-me à memória a imagem, invocada por outro amigo, estudante de medicina, da cabeça de um nado-morto mergulhada num frasco de formol entre os corredores do hospital-escola.
As radiografias dos meus pulmões ao que parecem não estão famosas. Ouço distraidamente o médico a aconselhar-me, calmante e sem expressão, para reduzir o fumo ou pensar mesmo em deixar de fumar. Penso no quão silenciosamente o fumo invade o corpo e em como a medicina já não lida com os corpos físicos, mas com as imagens e os simulacros dos nossos corpos. O ambiente mediático repete e reproduz as imagens do corpo nos corredores e nas salas do hospital, tornando-se o verdadeiro paciente... A doença não pertence mais ao corpo biológico, habita antes as imagens nos monitores, nas radiografias, nas ecografias ou nos TACs...
Saio perto da porta das urgências quando entra um sinistrado de um acidente de viação. Levem no para a sala de observações, ordena um paramédico, temos de tirar radiografias urgentemente, injectem-lhe 10ml de adrenalina... Fico ali prostrado a olhar fixamente, por favor saia daqui, isto não é um espectáculo. O azul-céu destila uma calma etérea e cristalina. Dirijo-me ao parque de estacionamento, coloco a chave na ignição do carro e penso que é um bom dia para ter um acidente de automóvel...

terça-feira, abril 17, 2007

Máscara

Procuro-me, procuro-me, digo eu na minha conversa interior prostrado na tua cama enquanto te vestes. Hoje apetece-me ser Punk, comentas aos pinotes. Abres o guarda-roupa e entrevejo sem consegui retirar qualquer coerência, um kimono de gheisa, couro, roupas vintage, tintas para pintar o cabelo, colares e brincos, cintos da tropa, de rebites. Tento agarrar-te, puxar-te para a cama mas escapas fugidia...
Contas-me entusiasmada a tua terapia regressiva das vidas anteriores, deambulas pela história universal, foste persa, escrava grega, sacerdotisa pagã, bruxa perseguida pela inquisição, princesa em Versailles, prostituta na Londres vitoriana.
Nas paredes contemplo as fotografias de ti própria em vários disfarces que relembram cenas iconográficas ou estereotipadas do cinema ou da vida, Betty Boop, uma minhota, Marylin Monroe, Alice, rapariga de colégio, uma lavadeira das margens do Tejo. Dizes-me que não são disfarces mas sim encarnações de várias personagens que assumes diante a objectiva, retratos de um ‘eu’ adaptável transfigurado no corpo, fruto de uma colagem de fragmentos. Incessante na tua transformação, sempre à procura de novas experiências, aborreceste com a rotina, focas-te no teu corpo, nas tuas máscaras sem que estas tenham qualquer significado particular. O significado, explicas-me, reside na própria forma como cobres o teu corpo, do jeito como te maquilhas e te enfeitas. Celebras o edifício instável da tua maneira de ser que constróis com restos, dogmas, frases feitas, traumas de infância, recortes de artigos de jornal que povoam os recantos do teu quarto, observações casuais, filmes antigos, pequenas vitórias, pequenos gestos, pessoas detestadas, pessoas amadas. Para ti, a tua narrativa de vida é uma colagem, uma montagem do acidental, do achado e do improvisado, de pequenos objectos que encontras e recolhes, que amontoas no teu santuário. Procuro-me, procuro-me, e a teu lado parece-me uma tarefa tão fútil... Beijo os teus lábios e não sei de quem sejam...

quinta-feira, abril 12, 2007

Televisão Pidesca

Sonhei que um dia a televisão organizava, em directo, interrogatórios de estilo policial a figuras públicas e, em especial, a políticos como um passamento, logo a seguir a qualquer outro reality show. O jogo constituía o seguinte: primeiro lançava-se na comunicação social insinuações baseadas em factos menos claros do passado de uma personagem como, por exemplo, o Primeiro-Ministro. Com estas insinuações atiçavam-se os cães, perdão, o público que liam nas insinuações acusações implícitas e retiravam conclusões que têm apenas como limite a sua própria imaginação. Os apresentadores eram caras conhecidas, mas que ali vestiam o seu papel com frontes graves e portes sérios que a situação de inquisidores exigia. Ficariam bem de sobretudo preto e cabelo à escovinha puxado para trás. Era ao próprio acusado e não aos acusadores que era exigido o onûs da prova, que se desdobrava em explicações, em mostrar papéis e documentos, em contar a sua vida. O programa de televisão era um fenómeno, um verdadeiro sucesso de audiências e famílias inteiras reuniam-se à volta do televisor. No sonho ouvia os vizinhos em volta, gritavam, protestavam, "mas está-se mesmo a ver que o gajo é mentiroso, pá!!", outro vizinho exigia raivoso: "partam-lhe uma perna a ver se o gajo confessa!" Acordei no sofá, na televisão constatei assustado que no écran despontavam dois seres vestidos com sobretudos pretos a sacar informações num interrogatório. A bolinha no canto superior acalmou-me... era apenas um filme. Fui para a cama reconfortado com o pensamento de que tal programa televisivo, com certeza, nunca chegaria a ser feito e que as pessoas, a comunicação social, os políticos, toda uma sociedade tem questões mais urgentes com que se entreter e discutir...

quinta-feira, abril 05, 2007

Silêncio

No café desenhava os teus lábios a fumar fugazmente um cigarro. Em nenhum dia em particular disseste-me que a ti os quatros elementos nada significavam, só o fumo te era importante e mais verdadeiro. A par do fumo, o teu silêncio pairava suspenso entre o sussurrar do mundo em volta, conversas soltas, loiça a tilintar, o folhear dos jornais que perpassam os dedos domingueiros, o murmurar da cidade distante. Perguntei-te, em que pensas? Nada em particular. Na tua casa colocaste na aparelhagem de som um CD de John Cage. Encontraste os meus olhos, quero que ouças isto. A contagem dos primeiros segundos da música avançava no mostrador da aparelhagem… silêncio… Sentámos prostrados no sofá lado a lado. Quando começa a música? Shhhhhh. Coloquei a minha mão entre as tuas pernas. Senti a pele macia das tuas coxas por baixo da saia. Desviaste firmemente a minha mão. O coração batia, os nervos e as veias palpitavam. 4 minutos e 33 segundos e nada, nenhum som se escapou da aparelhagem. Apenas o meu corpo gritou por dentro. O silêncio é uma quimera, uma utopia…

sexta-feira, março 30, 2007

A propósito de racismo

Em 2000 fui monitor numa associação cultural pela qual acompanhei uma visita ao Alentejo de uma pandilha de miúdos construída maioritariamente por "pretos" do concelho da Amadora de bairros francamente desprivilegiados. O que é curioso é que naquela visita as diferenças não se jogaram tanto entre monitores ("brancos") e monitorizados ("pretos"). Os monitores pertenciam a outra estratosfera, a diferença ali jogava-se entre os próprios miúdos. Logo aí se percebe que a diferença é construída. Um miúdo da Guiné não tem nada a ver com um puto de Angola – em termos de fisionomia, tom de pele, religião, etc. E é, por exemplo, sintomático como, em alguns círculos, os cabo-verdianos são “acusados” de não serem "pretos" de verdade. Na visita, um miúdo intitulava outro de “Cara de balão” ao que o cara de balão retorquia “Cara de macaco!”. Perante isto, o meu choque teve dois tempos. No primeiro tempo, foi a aparente intolerância entre os miúdos. Claro que é bastante comum os miúdos implicaram uns com os outros, porque uns são calados, são caixas de óculos, são isto e aquilo. Mas ali parecia estar em jogo a própria fisionomia e cor da pele. Pergunto se o tom de pele e a fisionomia de cada um seria ali apenas mais um pretexto para implicar com os outros. No entanto, pareceu-me que, afinal, a intolerância existe em esferas insuspeitas, as diferenças demarcam-se e são construídas nos sítios em que menos eu esperava: “mas então os pretos são racistas entre eles?”. O choque mais duradouro foi o do segundo tempo - o do meu próprio preconceito desvendado. Não, não foi justificar um preconceito porque outros também o praticam entre si, algo que muita gente faz com afirmações do estilo “mas se até eles são racistas!...”. Não foi nada assim de tão básico. O meu preconceito desvendado foi pensar nos “outros”, “nos pretos” ou seja lá em que “grupo social” ou etnia for, como gente igual, monolítica, como se juntos formassem uma pedra. Antes daquele episódio, se me tivessem dito que pensava assim desmentiria de pronto. Mas o facto é que pensava, sub-repticiamente, e foi por isso que aquela construção e negociação da diferença entre aqueles miúdos me chocou assim tanto.

quarta-feira, março 14, 2007

O dia das Mulheres

O dia das mulheres começou. Um dia plural, de festividade, para todas as várias formas que as mulheres podem assumir. Umas têm os peitos mais desenvolvidos e outras nem tanto, umas têm mais pêlos e outras menos, umas têm pêlos na cara, no peito, mais ou menos penugem nas pernas. Há mulheres com uma racha na parte púbica, ladeada por lábios e encimada por pequeno botão de lótus, outras tem uma protuberância muito maior que visivelmente pende e cresce quando se excitam sexualmente. Estas mulheres não conseguem ter filhos e são vistas por muitas das outras mulheres como as mais incompletas, mas defendem-se comparando as suas grandes protuberâncias com os pequenos botões de lótus das outras mulheres. Porém, neste dia, o dia das mulheres, esquecem as diferenças e lançam-se para a rua, numa espécie de procissão carnavalesca. Beijam-se na boca indiscriminadamente, trocam a sua saliva, uma saliva universal, nascida da junção de todas as salivas, a celebração da Mulheridade universal. Não há padrões na forma como as mulheres se cobrem e se apresentam, com mais ou menos roupa, saias, vestidos, maquiagem, calças, camisas, independentemente da sua apresentação física, com ou sem peitos grandes, com ou sem pêlos na cara, nas pernas, no peito... Os gostos variam, há mulheres que gostam de outras mulheres diferentes, ou então gostam de mulheres mais próximas da sua própria imagem, e há quem tenha como amante, companheira, amiga todo o tipo de mulheres. Seja como for, hoje fazem o voto de esquecer os gostos e as preferências e celebram a sua irmandade. No quotidiano, muitas mulheres lutam entre si, disputam o lugar de favoritas entre as escolhidas, as Mulheres Hermafroditas, as mulheres que nascem com os sinais dos vários tipos de mulheres, são casos raros mas sinal de realeza, são as escolhidas, as líderes, as mulheres completas... Mas hoje é dia de tréguas... enquanto as Hermafroditas observam, na preeminência dos seus pedestais, a procissão passar...

sábado, março 03, 2007

Oi, cara!

Há uma estória fantástica sobre os primeiros contactos entre os missionários portugueses e os indígenas do Brasil. Neste episódio estará, provavelmente, a razão porque os brasileiros chamam um indivíduo de “cara”. Os missionários pregavam sobre a necessidade de os índios esconderem as suas "vergonhas". Era uma doutrinação sobre o pudor, a vergonha e a necessidade de esconder o corpo, a fonte do desejo e, portanto, do pecado. O caminho para a Salvação é um processo de anulação da carne através do retraimento dos seus apetites. O estado mais puro a que um ser pode aspirar é precisamente a alma, essa entidade desprovida de uma forma corpórea. Pelo menos parte desta doutrinação ainda está presente na nossa maneira de ser e de estar, na forma como lidamos com o nosso corpo, em especial em presença dos outros, nos sentimentos de culpa, acanhamento e decoro que nos assaltam. Mas voltando à estória, os missionários apontavam aos indígenas a necessidade de cobrir o seu corpo. Mas estes retorquiram “mas vocês têm o rosto descoberto”. “Sim, mas isso é a nossa cara, é diferente” explicaram os missionários. O esgar dos índios deu-lhes como resposta: “Pois para nós é tudo cara”.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

A insustentável leveza de viver

O mundo é uma perspectiva pessoal, um universo mais ou menos enclausurado de sentido... e nada mais angustiante quando o sentido do mundo tem de ser (re)construído constantemente. Ser fundamentalista ou ceder à ausência de sentido, ao niilismo, é fácil. O que é chato, o que cansa é termos de reconstruir o sentido das coisas quando já não há autoridades paternalistas que nos guiam: “O que é que isto significa para mim?”; “o que é que tu significas para mim?”... É este o maior fardo dos dias que correm...

sábado, fevereiro 24, 2007

Fade Out

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Reino do Butão

Aparentemente, o longínquo Reino do Butão perdido no meio dos Himalaias (não confundir com o reino do cotão, esse fica no meu umbigo) adoptou uma política de maximizar a sua 'Felicidade Interna Bruta' em vez da tão badalada ênfase no PIB que existe no Ocidente... Isto é que é uma política económica progressista... "E esta, hein?"

domingo, fevereiro 18, 2007

Panapticon

Não se alguma vez tiveram a sensação paranóica de estarem a ser observados quando estão sozinhos em casa, no reduto íntimo do vosso espaço, no quarto, na casa de banho ou noutro sítio qualquer. Vem-me à memória um episódio da quinta dimensão onde no fim se releva que um punhado de seres humanos estão a ser “cientificamente” observados de fora por outros seres. E vem-me também à memória a passagem de uma entrevista num famoso relatório americano sobre sexualidade. A passagem é de uma mulher que revela que quando se masturbava se sentia observada, observada talvez por Deus ou pelos parentes mortos, espíritos vagueantes entre o mundo dos vivos. O sentimento de estar a ser observada de fora provocava o sentimento de culpa e de vergonha. Creio que para os mais exibicionistas tal perspectiva até deve ser interessante mas para as mentes mais cristãs a sensação de constante observação é um poderoso mecanismo de controlo da conduta. Há razões para acreditar que a ideia de um Deus omnisciente e omnipresente se foi desenvolvendo com o florescimento dos estados-nação, mais ou menos centralizados, como os conhecemos hoje. E a Igreja católica forneceu um poderoso expediente de controlo social sobre a população muito conveniente a governantes muito antes da ideia do Big Brother. Mas mesmo em mentes mais secularizadas como a minha parece ainda haver resquícios da mente cristã quando, por vezes, me sinto paranoicamente observado. Ou então é a lembrança do tal episódio da quinta dimensão. Vale-me o consolo de pensar na minha própria presunção de que alguém possa ter o interesse de observar os momentos de uma vida banal...

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Neve no Queens' College

terça-feira, janeiro 30, 2007

Glendalough, Irlanda

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Dali em Londres



segunda-feira, janeiro 08, 2007

London



terça-feira, dezembro 26, 2006

Gospel


«Têágo, whati ari iu goingue tó dú tónaiti?», irrompeu no meu quarto o italiano com quem partilhava casa. Niente, rien de rien, nothing special. E imediatamente falou-me de um concerto de Gospel no centro de Coventry (a cidade que mais prima pela fealdade em toda a Inglaterra). Logo despontou em mim a imagem comum das senhoras negras, sopradas, a cantar alegremente em vozes líricas o evangelho do Senhor. Apesar de ateu, graças a Deus, achei o programa interessante, até porque inédito para mim, e lá fomos. À entrada da sala do concerto um cartaz vigiava-nos os passos, anunciando um debate entre criacionistas e evolucionistas – senti um formigueiro, haveria ali uma quebra do espaço-tempo que teria trazido ali um pedaço do séc. XIX?!
Acomodámo-nos no meio da sala e aguardámos expectantes pelo espectáculo. Algo inesperadamente começamos a ouvir os brados ao céu de um padre evangélico. Nem críamos acreditar na situação em que nos tínhamos metido!, no meio de uma missa evangélica, nós que tínhamos o péssimo hábito de não adorar e idolatrar ninguém sem nos ser devidamente apresentado.
O sermão aquecia e o padre interpelava «Do you belieeeevee in tha Lord?», YEAHHH respondia a assistência. «Say Ámen!» e as ovelhas lá retorquiam ao estímulo extasiadas na fé. «Cuuuurveee yourself and behold the power of tha Lord!» e nós espetados no meio daquele anfiteatro, aparvoados, ante aquela gente encurvada em transe a esbracejar Ámen no ar. Era impossível não dar nas vistas!
Felizmente que a missa tinha que acabar e veio o Gospel cantado pelos fieis. Descobri que o gospel pode ser qualquer estilo, soul, r’n’b, reggae, rap, hip-hop, e assim por aí adiante, desde que seja um veículo de transmissão do evangelho do Senhor. O começo era quase invariavelmente o mesmo, a descrição da situação pessoal lastimosa de cada um antes de encontrar a luz do Senhor! «My life was a mess! My life was a mess! I have to confess», debitava um rapper, mas nada que a iluminação do JC não cure! Perante estes testemunhos a minha mente colocou-se à deriva. Mas o que é afinal a iluminação, a fé? Não seria o Céu, ou antes, a sua idealização algo mais pessoal do que aquilo que qualquer religião está pronta a admitir? Alguém que cante aí o Personal Jesus dos Depeche Mode. Ninguém? Imagino-me eu na eterna e celestial parvalheira do céu cristão? Livre dos pecados do corpo, livre de hormonas ou será que é no céu que os homens aprendem a ter orgasmos múltiplos? Um eterno… ininterrupto… orgasmo celestial…
Nisto sinto uma cotovelada do italiano. Planeamos por gesticulação e trejeitos um plano de fuga, um aceno concertado e abalamos em manobras de diversão. Em vão! Com a saída à nossa frente fomos demovidos por duas mãos enormes que se agarraram firmemente aos nossos ombros. Um bigode com um indivíduo atarrachado entrepôs-se à visão da porta. «Don’t go away!». Ó amigo, eu quero é pisgar-me daqui. Mas insistia ele: «You have the chance right here, right now to find Jesus and the light!» Sim sim, mas a luz às vezes não faz mais que ofuscar. «Today can be the day that will change your lives for ever!» Virei-me para o bígode e interpelei: «Então e se eu for o maior filantropo do mundo mas não encontrar a luz e não acreditar no JC ou no Senhor-Todo-Poderoso, irei na mesma para o Inferno?». Logo um dedo indicador gesticulou fervorosamente à minha frente e uma voz estremecida e apregoadora sentenciou, qual eco Metraton dos confins dos céus: «That´s right!». Descolamos das mãos que nos seguravam os ombros e demos vários passos por cima da nossa respiração até à porta, sempre na expectativa que as mesmas mãos obstinadas nos demovessem de novo.
Saímos para fora e sugámos, sôfregos, o gélido ar nocturno. Órfãos, atirados para a noite, longe de um ventre acolhedor, olhámos, um para o outro, como dois gémeos que se reencontram. No vazio da ausência de fé apercebemo-nos que não tínhamos uma nesga de hipótese de salvação. Aliviados abraçamo-nos, rimos, demos dois passos de dança e vagabundeamos pela escuridão com a leveza das crianças perdidas.

domingo, dezembro 17, 2006

Meta-língua

Um dia acordaste e disseste-me: “verdadeiramente não estou a acordar mas a adormecer”. Tentaste contar-me a revelação que tivestes no teu sono, um sentimento profundo que com olhos esbugalhados, expressões espantadas e gestos indecifráveis não conseguiste verbalizar. A partir daí tornou-se uma obsessão para ti verbalizar tudo o que estavas nas franjas da linguagem. Começaste a falar-me da falsa transparência do significado de todas as palavras e emitias, jocosa, sons aparentemente sem nexo como se eles fizessem mais sentido, enquanto davas pulinhos em cima da cama.
Fantasiavas sacudir um dicionário deixando cair as palavras como se fossem flocos de neve em forma de peças de puzzle que se amontoavam no chão. Do montinho construías associações absurdas entre palavras das quais brotavam sentidos insuspeitos, que nomeavam e construíam campos de significado e de inteligibilidade humana à espera de serem descobertos. Uma palavra que classifica, desclassifica tudo o resto, dizias autoritária. Falavas da incúria de não haver uma palavra para as não palavras. Disseste-me que a invenção da palavra Deus para abarcar o descritível e o indescritível era uma inevitabilidade. Reclamavas do fascismo da língua que limita a expressão do mundo inteligível, dos sentidos e dos sentimentos, que deixa escapar tudo o que está para lá das franjas da comunicação e da expressão linguística.
Mostraste a tua revolta, primeiro, aglutinando palavras, expelindo-as justapostas e rerranjadas como se o português fosse uma língua germânica. No meio da rua observavas “Olhovislumbra aquele homúnculo patudonarilongo que patarasteja entre a ruamultidão como se remassemar contrarremetido as vagaondascorrente”. As tuas palavras sacudiam-me, efervesciam-me na base da nuca. Tinha de ponderar o seu significado como se ainda tivesse que aprender a manejar a língua. Quando te olhava fixamente dizias-me “os teus espelhoalma invernam-me”. Intrigava-me a fluidez com que cuspias tais arranjos feitos do barro linguístico comum do qual moldavas expressões inusitadas. Posteriormente, começaste a criar palavras completamente novas com as letras do alfabeto. No final já nem os símbolos do alfabeto te satisfaziam e criaste novos símbolos... Inventaste a tua própria língua, mais próxima do que sentias, com suas próprias regras gramaticais (ou anti-regras, não sei bem) de morfologia, ortografia, fonética e fonologia. A tua meta-língua tornou-se incomunicável para todos.
Inscreves nas paredes do hospital psiquiátrico as tuas frases. Passas-me para a mão páginas e páginas de uma escrita indecifrável. Será um diário, uma viagem interior, um romance, um anti-livro, uma anti-estória...? Perdeste-te no contacto com a humanidade, o que me queres dizer está nas margens do significado…mas então porque é que cada gesto, som e palavra que expulsas me parece tocar, mover e transmitir um nível profundo de sentido?

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Picasso

Picasso dizia que “a arte é a mentira que diz a verdade”. Esta noção, que já estava latente na pintura impressionista, tornou-se o elán vital que impulsionou os movimentos modernistas e vanguardistas como o cubismo, o dadaísmo ou surrealismo e que os dotou da sua autoridade cultural. Fica a aqui a minha estória favorita desse senhor:

Estava um distraído turista americano a deambular por um qualquer aeroporto europeu quando esbarrou contra um transeunte. Aquela face que se lhe entrepôs, encrespada de rugas como pinceladas anavalhadas pela seta do tempo, sugeria alguém familiar. Mas foram aqueles olhos pungentes como se esculpissem a realidade à sua volta que fez o americano perceber, perplexo, que tinha à sua frente Pablo Picasso. Sentindo-se afortunado pela colisão não deixou passar a oportunidade de solicitar a Picasso, com o ar chistoso de quem pede a um artista de rua para mostrar os seus dotes, que desenhasse o seu talento num pedaço de papel. Condescendente, o mestre estalou os dedos e em poucos segundos tingiu no papel providenciado a sua mentira. Sôfrego, aquela fera esfaimada com cara de turista atirou-se ao desenho de Picasso, mas este, tirando o rascunho do seu alcance com um gesto, exigiu nada menos que 10.000 dólares.
O americano bem protestou: está louco! Tanto dinheiro por rabiscos que demoraram segundos a fazer.
Meu amigo, retorquiu Picasso, este mero desenho durou cerca de sessenta anos a fazer. Momentos depois surripiava jovial o cheque das mãos meio convencidas do turista americano.

terça-feira, dezembro 05, 2006

É natural!

A estória começa comigo a ler um artigo de uma revista científica no cenário mais inusitado: numa terreola, berço do meu pai, esquecida e ostracizada no meio da Beira Interior. Na derradeira frase da leitura apareceu no meu campo de visão a figura mais improvável com quem eu pudesse tagarelar sobre o artigo: o Ti’ Marcelino, um dos meus tio-avôs octogenários, acompanhado da sua mula. Para o Ti’ Marcelino tudo é espantosamente natural! Sempre que o confrontava com observações para mim assombrosas – “ó tio! já pensou que tudo o que existe surgiu de uma caganita microscópica com uma densidade e um peso infinitos que explodiu e deu origem ao universo onde estamos?” -, o Ti’ Marcelino retorquia pávido e sereno com uma couve na mão: “É natural”. É como se tudo lhe fosse evidente e todas as verdades universais pudessem ser contempladas através da horta e do curral. Se o todo pode ser vislumbrado nas partes então uma hortaliça decerto que engloba os segredos do cosmos!

Voltei várias vezes à carga - “E sabia que o nível microscópico das partículas que compõem os átomos não se rege pelas mesmas noções de espaço e de tempo que nos são tão naturais e intuitivas no dia à dia?” - e sempre a mesma réplica pouco entusiasmada: “É natural!”. Dessa vez, quis confrontá-lo com a tese perturbadora do artigo que tinha acabado de ler. “Ó tio, está aqui um cientista britânico a dizer que há toda a probabilidade de sermos entidades conscientes dentro de uma simulação de computador! (perscruto-lhe as expressões à procura de indícios de compreensão! Nada!) O argumento segue todas as regras da lógica e baseia-se na teoria das probabilidades (nisto, a mula mija!) Segundo o cientista, uma civilização com um nível tecnológico avançado será capaz de conceber simulações, em supercomputadores, de entidades conscientes que farão parte de grandes simulacros (continuo apesar da invasão fétida da urina campestre nas minhas narinas!). Sendo provável existirem, nesse plano de realidade, mais simulações que pessoas então teremos uma grande probabilidade de sermos um simulacro de computador. Tudo isto será ainda mais provável quando nós próprios, raça humana, formos capazes de criar essas simulações. Nessas condições temos de encarar seriamente a possibilidade de a realidade ser uma boneca russa simulacra e Deus poderá não passar de um informático balofo num qualquer canto obscuro doutro plano de existência.” Primeira reacção, silêncio, a seguir uma coçadela na cabeça por baixo da boina e depois, não é que, raisparta o homem, recebo como resposta o inevitável: “é natural”. Para rematar, com o Ti'Marcelino puxando a mula, veio o convite: “Ó rapaz não queres ali ajudar-me a apanhar umas couves? (em vez de estares aí a pasmar inútil com uma revista científica na mão, acrescentei eu mentalmente)”. Ahhhh se tudo fosse tão simples como a vida campestre… e é por isso que é cientificamente razoável concluir que… “o ar do campo é tão puro!”

sexta-feira, novembro 17, 2006

Cerimónias de solteiros

As pessoas que ficam solteiras também deviam ter cerimónias
É injusto serem só os casados a terem direito a celebrar uma possível vida de união
Assim fulana tal ou fulano tal declaravam solenemente que não querem casar
Ou participar em qualquer instituição pequeno-burguesa como o matrimónio
«Declaro o amor eterno por mim próprio, até que a morte me separe»
E, posto isto, o padre selaria verbalmente o contracto sagrado com a nossa própria pessoa: «Pode beijar-se a si próprio»
Claro que há limites para os sítios em nos podemos beijar a nós próprios
Ombros, braços, mãos, quiçá os próprios pés
E quem conseguir que lamba o nariz

segunda-feira, novembro 06, 2006

entre os teus braços escapar-me-ia

...entre os teus braços escapar-me-ia a substância do tempo...
...num momento primordial e puro...
...onde perderíamos a lembrança do mundo...
...e nos encontraríamos renascidos para além da consciência...

sábado, outubro 28, 2006

O muçulmano pós-moderno

Fazendo uma pausa do livro que indolentemente lia em Victoria Station, admirei um jovem, trajado a preceito de muçulmano com um jornal na mão, que por um breve instante pareceu-me balbuciar alguma coisa em português com os pais. Não dei caso ao que atribui como sendo um erro de percepção. Seriam as saudades de Portugal a turvar-me a audição? E submergi de novo no livro, enquanto esperava que as horas me trouxessem o autocarro que esperava. Passado algum tempo, levantei de novo o sobrolho e chamou-me imediatamente a atenção um pormenor que escapara, como se tivesse visto uma visão e o meu mundo fosse revestido de um novo significado – o jornal que o muçulmano albergava era … “A Bola”?! Mudei de assento e acerquei-me discretamente. Pus-me à coca. Não era imaginação. O muçulmano falava um português de Portugal, talvez um pouco condimentado de caril. Já no autocarro posicionei-me estrategicamente e com a confiança do pré-11 de Setembro sentei-me ao seu lado e meti conversa. Era Janeiro de 2001 e estava de regresso para o meu ano de Erasmus.O jovem muçulmano, esse, estudava teologia e preparava-se para um dia ser Imã. Confessara-me que lia “A Bola” porque era doentiamente Benfiquista. (Rezará ele a Alá para que Nuno Gomes marque um golo?) Falámos da fé muçulmana, da vida em Inglaterra, da situação comum de estarmos longe de casa… a mesma casa…?! Ao longo da conversa, as minhas categorizações, feitas de vidro, começaram a rachar e a pouco e pouco começaram a cair pedaços… Contou-me este pormenor: por alturas do Euro 2000, os alunos muçulmanos da universidade organizaram um campeonato de futebol, com equipas constituídas consoante o seu país de origem. Ele representara Portugal!!! Delicioso jogo de identidade que uma ferida entre eixos ou supostas civilizações não deixa antever! Aquele muçulmano faz muito mais parte dos tempos que correm do que eu, português de gema, provavelmente ainda preso a algumas velhas categorias…

terça-feira, outubro 24, 2006

Marie Antoinette

«S'ils n'ont pas de pain, qu'ils mangent de la brioche!»


Causa estranheza que a mesma Sofia Coppola que realizou “As Virgens Suicidas” e “Lost in Translation” tenha escolhido fazer um filme aparentemente histórico. Mas Marie Antoinette não é um filme histórico é antes uma fantasia, uma idealização de adolescente sobre como seria viver em Versailles e ser rainha de França. Se “As Virgens Suicidades” é um filme sobre a adolescência reprimida, Marie Antoinette é sobre o borbulhar dos sonhos de adolescência, sobre o jogo de sentidos, desejos e fantasias concretizados na que poderia ser apelidada a maior casa de bonecas do Mundo: Versailles. Quando Luís XVII, coroado rei, disse «somos demasiado novos para governar» estava a querer protestar, «deixem-nos brincar mais um pouco!». O decurso da História e as questões políticas são ruído de fundo, coisas que distraem a corte (e a nós) do sonho. A frase «se não têm pão, que comam brioche», que se colou à pele de Marie Antoinette e que bem poderia servir de seu epitáfio, só poderia ser dita por quem se ofuscou pelo brilho extasiante de Versailles, da sua opulência e ostentação. Também nós somos extasiados. Não se vê a miséria do povo como se supõe que a Rainha não tenha visto. A Revolução Francesa surge como algo incompreensível como o mendigo sujo e agressivo que surge de rompante e vem contaminar o bolo, calar a banda e estragar a festa. Marie Antoinette simboliza aqueles que se fecham na redoma de vidro da não preocupação e serve de parábola sobre a doce corrupção da inconsciência feita de sentidos, de sonhos e caprichos satisfeitos.

domingo, outubro 22, 2006

Dali

Conta a lenda que Dali, na sua juventude, masturbou-se mecanicamente e jorrou a sua semente para uma pequena sacola. Fechou-a como quem fecha o seu berço, a sua meninice, a sua puberdade, a sua dependência. Dirigiu-se fulgurantemente em direcção ao seu pai e disse emproado: “Toma! Não te devo mais nada!”

quinta-feira, outubro 19, 2006

oxelfer

…no semi-sono assaltam-me delírios de catástrofes…
…chuva de vidro estilhaçado…
…fantasio e semeio holocaustos…
…dos quais desperto Fénix renascida entre as cinzas…
…mas fora dos delírios aprendi que renascer é um parto muito mais difícil…
… jogamos o jogo dos espelhos com quem nos rodeia…
…procuramos nos outros reflexos da nossa própria imagem…
…retribuem-nos o estereótipo refractado do que fomos, do que somos e do que iremos ser…
…chega-nos a imagem da imagem como a sala de espelhos das feiras itinerantes…
…por vezes apenas reconhecemos sombras distorcidas de nós mesmos…
…os outros são o nosso labirinto espelhado do qual dificilmente escapamos…
…pois tragicamente não conseguimos deixar de procurar o nosso próprio reflexo…

segunda-feira, outubro 16, 2006

Desventuras de uma Palavra no Reino da Língua Portuguesa

Xeveco parece ser daquelas palavras que servem, apenas, para aumentar as estatísticas: “Compre JÁ o novo dicionário, em dois volumes, com – Imagine só – mais de quinhentas mil palavras!”, espalhafata no ecrã, irritantemente pela cagagéssima vez, uma polida dentuça TV-Shop com artificialidade sorridente de polyester entre luzes e pó-de-arroz. “Mais de quinhentas mil palavras!” – penso, é o mesmo que dizer quinhentas mil palavras e uns restos paranormais de pseudo-palavras e, sem dúvida, que Xeveco pertence a essas estranháveis sobras, anómalos ajuntamentos de letras chutados na traseira – os “impróprios para consumo” da sociedade do Reino da Língua Portuguesa. Aliás, quem, no seu perfeito juízo, iria procurar uma palavra destas no dicionário?
Xeveco vive, normalmente, fechado na sua solidão, entre as páginas números muitos e tal dos “xis”; à espera de uma luz no fundo do túnel. Por vezes, há um breve esboço de luminosidade, quando lá calha alguém abrir o dicionário na página lote n.º tal que serve de lar a Xeveco e lá lhe passa fortuitamente o olhar. Xeveco enche, então, o peito de esperança, e na ânsia tola que reparem em si, aperalta-se todo para receber a inesperada visita, mas depressa o olhar se desvanece, passando rapidamente para outra palavra.
Mas há dias, raros é certo, em que o olhar, intrigado pela estranheza de Xeveco, fica-se a admirar, como quem admira um qualquer carantonha numa feira de horrores, e por piedade, diante dos olhos esbugalhadamente suplicantes de Xeveco, em jeito de mísero trocado de empatia, lá lhe lê o significado. E assim, Xeveco, vai procurando um sentido à sua ínfima existência, sempre aos tropeços nas pedras que se atravessam no íngreme caminho dessa coisa a que nós nos habituámos a chamar vida. Isto de ser palavra não é só estar no dicionário a fazer figura e número, elas também têm o seu orgulho, o prazer de servirem para alguma coisa. É como diz o filósofo “Esquecem-me, logo não existo!”
Com uma costela grega da parte da mãe e uma costela latina da parte do pai, Xeveco teve uma infância infeliz, nunca tendo conseguido cativar a atenção dos seus pais, sendo progressivamente esquecido no emaranhado de palavras, suas irmãs. Perdido entre o oceano pantanoso da maioria, no desejo de ser especial, Xeveco fez de tudo para chamar a atenção; vestiu-se de excentricidades multicolores, salpicou-se de brincos e tatuagens, assaltou supermercados, ameaçou atirar-se da ponte, como querendo dizer para o dicionário-mundo “Ei, estou aqui! Existo!?”, e aí o mundo condescendeu “Coitado!”, e veio com falinha mansas “Olha que disparate ias fazer! Aconchega-te às palavras tuas irmãs. Há sempre lugar para mais um” (nem que seja debaixo da ponte). Xeveco bateu com o pé e ameaçou suicidar-se outra vez, mas o dicionário-mundo não lhe ligou desta vez, “Olha!, suicida-te à vontade que ninguém vai reparar em ti!”, insinuou-lhe. Afinal de contas, trata-se apenas de menos uma palavra errante entre as estatísticas.
Xeveco sofreu por tudo quanto foi lado, até no amor se desventurou. Enfim, é um pouco difícil falar de desventuras e não falar de amor, não é? Primeiro, apaixonou-se pela palavra Bela, mas ela nem lhe ligava, nem sequer devia saber que Xeveco existia, e ele, nem sequer teve coragem de lhe confessar o seu amor. Se ao menos tivesse o paleio galanteador da palavra Poesia, ou então o talento da palavra Música. Depois apaixonou-se pela palavra Formosa, melhor amiga de Vaidosa e alvo das atenções de grande parte das palavras masculinas. Xeveco entregou-lhe, em esperança ingénua, o seu amor, mas este foi-lhe devolvido por um seco, mas cruelmente acutilante “NÃO!”. A Formosa, essa, só se envolve com gente famosa da televisão como aquela palavra masculina, o Modelo ou então por aquele playboy internacional árabe chamado Petróleo.
Na escola Xeveco foi logo gracejado, parece que ensinam os putos desde pequenos a discriminar aqueles que nos são mais estranhos. A professora perguntou-lhe o que é que ele queria ser, e Xeveco disse que queria ser pintor, e pintar de azul todas as paredes e casa da Terra, reflectir a serenidade do céu no mundo. Mas sonhos desses não servem à sociedade. É preciso, antes, sonhar em construir pontes e estradas, pois a civilização ergue-se associada à palavra Moderna. Diziam-lhe que estudasse muito, para talvez um dia vir a ser uma palavra letrada com direito a entrar no restrito circulo do vocabulário erudito – que tem a valiosa tarefa de dizer de forma espampanante e complicada as coisas que poderiam ser ditas de forma mais simples. Mas cedo Xeveco se desinteressou pelos estudos, enveredando pelas más companhias, começou a dar-se com as palavras Álcool, Esgrouviado e demais, penetrando num submundo alternativo onde o presente se fingia aprazível. Para aliviar a dor matreira que se esconde nos confins da sua alma, ou talvez – quem sabe? – para preencher o seu vazio existencial, Xeveco refugiou-se no caminho da droga. Começou pela experimentação inocente das drogas leves na companhia Marijuana, mas não se contentou e conheceu o Ópio à procura de maiores satisfações alucinatórias, acabando num beco sem saída partilhado com o Cavalo e a Heroína.
A vida para Xeveco é como aqueles elevadores para o Inferno, só desce! E foi na descida ao inferno com as drogas duras, por intermédio da palavra Seringa, que Xeveco se tornou amigo do Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, vulgarmente conhecido por SIDA. Dividiram as mágoas, o recanto imundo da baixa lisboeta, um jornal de semana passada com que se protegiam do sopro da palavra Frio, e uns pedaços do Pão esmolado de um dia. Passaram a ser como unha e carne, como palhaço e piada, como nazi e judeu, os indesejados dos indesejados da sociedade das palavras, dignas personagens de uma melodia de Blues.
Mas foi sol de pouca dura. A palavra Amizade depressa deixou de ser um elo entre as duas personagens. Num ápice SIDA pôs-se nas bocas do mundo, tornou-se famosa, com clubes de fãs, linhas telefónicas e tudo. Figura de primeiro plano no Jet-Set internacional sempre acompanhada de gente famosa como aquele cantor, o Freddy Não-Sei-Quantas, ou aquele matulão basquetebolista, o “Magic” Johnson. Uma verdadeira estrela dos jornais, com cabeçalhos cada vez maiores e honras de primeira página: “SIDA prolífera em Portugal”, “30 milhões de portugueses infectados pelo vírus da SIDA”. Depressa galgou para a televisão, primeiro com reportagens no telejornal, depois com exaustivos documentários e até entrevistas na CNN, chegando por fim, ao mundo cinematográfico de Hollywood, contracenando com actores de primeira água como é o Tom Hanks (aquele da costela portuguesa). Um verdadeiro triunfo de marketing, com posters, pins e porta-chaves à venda por todo o lado. Tornou-se moda e todos passaram a querer sida.
- Ó mãe, eu quero SIDA.
Xeveco ficou assim sozinho na sua desgraça, completamente inútil à sociedade, não servindo sequer aos mais afincados jogadores de «SCRABBLE». Olha!, pôs-se a arrumar carros, sempre vai tendo um dinheirito para comer um qualquer remendo de refeição e alimentar o impiedoso vício, combatendo assim a ressaca de um mundo adverso.
E assim, Xeveco tornou-se um entre os Xevecos da vida, os restos da sociedade, desses que andam para aí fazendo-se parecer úteis, a arrumar carros em frente a uma qualquer superfície comercial de pretensiosas mãos estendidas, com cabeleiras de quem não conhece um pente, barbas à Antero de Quental, bigodaças de fazer inveja ao Estaline e indumentárias de trabalho que se diriam de um refugiado da Bósnia.
Dedico então este conto à palavra, deveras estranha, que é Xeveco. Usei-a ostensivamente, sem saber sequer o que significa! Num daqueles dias de sorte para a palavra Xeveco, deparei com ela ao acaso no dicionário, estava eu à procura de uma qualquer palavra banal. «Xeveco!? Que raio de palavra!», pensei, e logo me atacou a curiosice mesquinha do seu significado: prontifiquei-me alambazadamente a lê-lo, mas, hesitei. Lê-lo-ia e depois? Seria aquilo e mais nada, acabaria em desilusão. Fazê-lo seria dissecá-lo numas poucas palavras sintéticas, reduzi-lo à pobreza e ociosidade de uma fórmula exacta. Conti então a minha brutidão bisbilhoteira, e não me atrevi a dar-lhe sequer a mais pequena espreitadela.E assim Xeveco, desprovido de significado algum, talvez me queira transmitir a verdade que me falta, uma qualquer verdade suprema, que um dia, um misterioso mandala sussurrou, ou aquilo que eu entender. Podem chamar-me louco, mas foi decidido unanimemente pelos cônsules da minha consciência que Xeveco passasse a ser a minha palavra, a palavra que exprimirá a minha melancolia quando indescritível, a minha dor e tristeza quando inqualificável, ou a alegria transcendental que sinto quando te tenho ao pé de mim, fenómeno verdadeiramente inexplicável.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Kafka

Não é a burocracia, ou a sua ineficiência, que é, por si só, kafkaniana. O que Kafka nos ensinou é que a implementação de um sistema burocrático é uma lógica que vai permeando os indivíduos debaixo da sua pele. Se a burocracia é um principio organizador quando desviado do seu propósito humano e tornado fim em si mesmo cai no absurdo. Muitas vezes somos injustos para com os sistemas burocráticos pois só lhes despimos o absurdo quando não funcionam. A falha do veio racionalizante e disciplinador da burocracia é no fundo o espelho das nossas próprias incongruências enquanto seres humanos. Entreabre-se o absurdo e a irracionalidade da nossa própria humanidade encobertos pelos nossos próprios sistemas abstractos. Imagino o espectro do senhor Kafka a divagar observante pelas várias repartições da administração pública, pelos correios, pelas administrações… observando com um esgar todas as situações absurdas. Senti claramente a sua presença uns anos atrás, quando fui buscar uma carta registada aos correios. O funcionário dos correios na sua diligência rotineira dirigiu-me a palavra: “O seu bilhete de identidade, por favor!”. O pedido surpreendeu-me, coisa que não deveria acontecer. Parece que foi uma tolice minha. Afinal, para levantar qualquer carta registada é necessária a identificação, toda a gente sabe disso. Porém, era precisamente o meu novo bilhete de identidade que estava dentro daquela carta, enviado pelo registo civil em substituição por um perdido. Tentei explicar a situação caricata mas em vão: “O que quer que eu faça? O que é certo é que necessito do seu documento de identificação para que lhe possa entregar esta carta!”. “Desculpe lá, mas tudo isto é kafkaniano!” – respondi. Nisto sinto o empregado congelar os seus gestos e parar uma fracção de segundo, concerteza o tempo para pensar: “Só me faltava agora um pseudo-intelectualoide para me chatear a mona!”. Depois da sua breve suspensão no tempo continuou inflexível “Pois, pois… é kafkaniano… (“que é que este chouriço quer dizer com isto?”) mas isto há regras para os serviços funcionarem. Se não tem identificação e se ela está na cartinha, o problema não é meu! Porque não vai ao registo civil?”. “O velho jogo do empura…”, fugiu-me o desabafo. Exigi falar com o gerente. Nisto, com um ar displicente o funcionário levantou-se e simplesmente bufou. Foi chama-lo, tínhamos subido um andar no castelo de Kafka.Satisfeita a minha exigência, o gerente indagou “Mas afinal o que se passa aqui?”. Dada a explicação, parou para cogitar. “Como poderia a (i)lógica burocrática resolver este dilema?”, indaguei eu olhando para a expressão franzida do gerente. Finalmente este decidiu-se a abrir cuidadosamente a carta no seu bordo com uma espátula. Retirou solenemente a minha identidade, examinou-a e lançou-me o sobrolho perscrutador. Poderia ter-me passado a identificação directamente para as mãos. Mas não o fez, seria absolutamente contra as regras. Antes, recolocou zelosamente a minha identificação dentro do envelope e passou-o para as minhas mãos. Não é demais frisar a relevância deste gesto, com ele salvara o castelo de Kafka.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Cachimbo e reflexão

Agasalhado pela brisa matinal o doutor Eduardo meditava entre esfumadas do cachimbo. Desde há muito que fazia a associação de ideias entre cachimbo e reflexão. Havia estabelecido uma ligação, um esquema neuronal que tornava essa associação incontornável. Se sentia necessidade de reflectir tinha de fumar, se fumava a reflexão jorrava-lhe no espírito e assim viajava errante em pensamentos e ideias. E explicar aos seus pacientes que fumava? Como explicar a contradição entre o que a profissão médica aconselha e a sua própria prática de fumador? De nada valia explicar que a doutrina médica enquanto domínio do saber abstracto era uma coisa, que as práticas de um comum médico de família eram outras. Que a sua decisão de fumar fazia parte de uma escolha privada de uma pessoa concreta que por acaso veste de vez em quando o papel social de médico. Que decidira conscientemente fazer uma troca entre o prazer do tabaco e quem sabe uns possíveis ganhos abstractos na esperança de vida. Quantos anos de vida valerão um prazer, uma sensação, uma satisfação imediata dos sentidos? E haveria uma oposição entre os sentidos da vida e um possível sentido da vida? Seja como for “o” sentido da vida parecia-lhe algo de absurdo: cada pessoa é um mundo incomensurável. Quem lhe tirava a pintura agora tirava-lhe tudo. Aliás, em várias consultas de rotina esquecia a medicina e falava de pintura aos seus pacientes. Assustou-lhe essa conexão tão forte. Seria assim tão refém de uma actividade que se tornaria impossível qualquer reconstrução do sentido da sua vida. Deixar de pintar seria morrer? Podia ser pior, pensou, o seu sentido da vida poderia ser uma pessoa, alguém.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Sala de Espera

Os usos sociais das instituições são muitas vezes diferentes dos usos intencionados pelos seus criadores. As pessoas atribuem-lhes os seus fins próprios e os seus usos específicos. Isto não é necessariamente perverso e daí emana muita da riqueza da vida social. Um exemplo dessa situação é o uso que várias pessoas idosas dão à sala de espera dos centros de saúde, que se tornam num meio de inclusão social para escapar à solidão. A sala de espera passa a ser uma autêntica sala de estar. Deixa de ser um espaço intermédio para passar a ser um espaço de convívio por direito próprio, onde se opera uma espécie de medicalização da solidão pela iniciativa dos próprios “doentes”.
Ser doente fora da sala de espera pode ser sinal de fraqueza, um estigma que talvez deva ser escondido, mas naquele contexto a doença é exposta a plenos pulmões, sendo o desencadeador de relações sociais. É motivo para ser o centro das atenções e confere mesmo um certo prestígio. Coleccionar doenças é como subir uns pontos no “ranking” dos freqüentadores assíduos do centro de saúde. Para essas pessoas estar doente é um estado perpétuo, dentro e fora do centro clínico, e, portanto, é mais do que justificada a sua presença na consulta, mesmo que na prática a verdadeira maleita do momento seja algo mais espiritual, a solidão. (E é a partir desse estado interiorizado de doença perpétua que se pode perceber porque é que certas pessoas idosas continuam a medicar-se passado o período de medicação estipulado pelo clínico).
Ouvi uma vez um médico de família contar uma situação que lhe aconteceu que me marcou pelo seu significado social e humano. Do leque de senhoras idosas que compareciam todas as semanas à consulta com uma diligência inamovível, uma delas deixou de comparecer. Passadas duas semanas o médico começou a indagar: “Arranjou companheiro? terá ido para casa de familiares? para um lar? Ou pior, terá morrido?”. Porém, na terceira semana lá estava a senhora na sala de espera como se nada tivesse acontecido. Durante a consulta o médico, curioso, perguntou-lhe: “Mas afinal o que é que lhe aconteceu?”. Perante a interpelação, a senhora respondeu (imagino eu que verbalizando a resposta de uma forma lacónica como se estivesse a dizer a coisa mais lógica do mundo): “Sabe xô doutor, tive doente!”.

sexta-feira, julho 07, 2006

Eterno estranho

…a memória é um peso morto…
…se a vida fosse um eterno e fresco começar de novo…
…um remoinho constante, um fogo arejado de sentimentos iniciais, libertos da corrupção das coisas sedimentadas…
…gostaria de ser um eterno estranho, que perdeu algures o passado, para quem o momento inicial e cristalino em que toquei na tua alma pairasse suspenso por entre o tempo……desejava que fossemos sempre um para o outro, dois estranhos que ao se conhecerem se desconhecem infinitamente...

quarta-feira, junho 28, 2006


…não fumava por sistema, o vício nunca tinha conseguido reclamar o corpo…
…os cigarros que fumava eram prazeres emprestados entre a promiscuidade de sensações da noite…
…não fumava apenas pelo prazer de sentir o trago do tabaco…
…fumar era como que uma exercitação da minha força de vontade…
…resistia aos caprichos do vício…
…e ria-me da dependência dos outros…
…rejubilava entre a bruma dos castelos de fumo o meu corpo, a minha vontade liberta…

…um dia, comprei o mesmo maço de tabaco que ela…
…comecei a fumar um por dia ao fim da tarde, plagiando submisso o seu ritual…
…na esperança de que cada cigarro que se esvaiasse em fumo no crepúsculo,
fosse o sangue da minha ferida aberta em lenta ebulição…
…prometi a mim mesmo que quando fumasse o último, a esqueceria…

sexta-feira, junho 23, 2006

quinta-feira, junho 22, 2006

Mesa de café

...dizia eu a uma amiga minha que nada melhor que conhecer uma pessoa numa mesa de café...
...a forma como ele ou ela bebe o café...
...em pequenos tragos tímidos ou se bebe o café em tragos largos e firmes...
...se é uma pessoa que escuta ou que prefere antes falar...
...se olha em volta ou se nos dá apenas atenção...
...se está confortável com o silêncio ou se pelo contrário tem uma necessidade absoluta de dizer algo...
...se o que diz tem o objectivo de impressionar ou se as palavras lhe fogem do espírito...
...e não, não digo tudo isto, porque estou "particularmente" apaixonado (a paixão considerada fonte de inspiração), respondi a essa amiga…
...note-se o "particularmente"...
- “Estas só "indistintamente" apaixonado” retorquiu essa amiga…
...note-se o "indistintamente"....